De vez em quando eu publico por aqui coisas produzidas pela minha filha mais velha, Thábata, de 14 anos. Desta vez é um conto que ela escreveu como tarefa da aula de redação da escola. Mas o que me deixou orgulho é que este conto ficou em quarto lugar dentre 500 outras produções na escola, num concurso literário em homenagem à Machado de Assis. Filho de peixe, peixinho é!
Divirtam-se!
A Viagem Escolar
Nem consegui dormir de tanta ansiedade, esperava por essa viajem há muito tempo, finalmente daria um tempo das tarefas de casa e iria viajar com meus amigos da escola! O ônibus iria sair às 6:00 da manhã, mas já estava acordado desde às 3:00 hs.
Chegando lá na escola encontrei os meus amigos todos reunidos e ansiosos para esperada viajem, o acampamento seria na floresta fechada, onde não teríamos nenhum contato com a civilização exceto pelo rádio da professora Lílian. Quando o ônibus chegou, olhei aquela lata velha e pensei logo “Bem, nem tudo pode ser perfeito”. Aquele ônibus tinha 13 anos de história pra contar, nem precisava de alguém pra falar, porque os buracos nas cadeiras e nas paredes já falavam tudo. Quando saímos ainda estava escuro e os alunos pareciam mais uns zumbis do que qualquer outra coisa. Mas mesmo muito cansados ainda dava pra ver em seus rostos leves sorrisos de ansiedade.
A viajem durou 6 horas. Não consegui dormir muito durante a viajem, porque estava muito agitado e não podia correr o risco de levar pasta de dente na cara. Enquanto meus amigos cantavam musiquinhas típicas de viajem eu conversava com João, meu melhor amigo. Ele tem 14 anos, assim como eu, e uma das coisas que nós mas queríamos fazer era finalmente conseguir nos enturmar com as meninas nessa viajem. É por que nós não somos exatamente os meninos mais populares nem mais bonitos do mundo, mas essa viajem podia mudar tudo.
Chegando lá meio dia dei de cara com um acampamento imundo caindo aos pedaços. Mal pude acreditar, mas era só o começo, os quartos eram minúsculos e tinham cheiro de mofo, estavam imundos e a cama parecia ser feita totalmente de madeira de tão dura que era, mas tudo isso não é nada quando se tem um bom chuveiro, o que não era o caso, por que além do banheiro estar entupido e fedendo , o chuveiro só tinha água gelada ! Eu estava com muita fome, não comia nada dês das seis horas da manhã. Quando foram servir o almoço em um lugar que tinha umas mesas de madeira, mal iluminado, onde as mesas tinham farpas espetando para todo o canto, um homem grande e gordo, muito mal encarado passou distribuindo os pratos mal lavados e depois botando uma coisa no nosso prato que eu não consegui identificar o que era de tão nojento que estava. Era como se alguém tivesse comido muitos legumes e depois vomitado tudo. As meninas ficaram muito espantadas, mas como sempre, elas trazem lanche de casa e conseguem se virar, mas eu e João só trouxemos 50 reais para caso de emergência. Mas na lanchonete de lá não tinha nada que prestasse.
Mas era só o começo. A guia era uma mulher muito feia e gorda que parecia que sentia prazer em ver a nossa decepção. Ela falava com uma cara de satisfação:
– Esse fim de semana vai ser longo não é crianças?! Nós vamos fazer trilha, levem as lanternas!
Pensei logo “Pra que lanterna se ainda são duas horas da tarde?!”. Mas conforme fomos entrando na floresta entendi, quando mais entravamos na floresta, mais densa e escura ela ia ficando, depois de meia hora de caminhada já precisávamos ligar as lanternas. Andando por lá, comecei a ouvir uns barulhos estranhos. Eu não sinto medo de nada, sou muito corajoso, mas confesso que nessa hora senti um pouco de medo, até por que além de barulhos eu via vultos pela floresta. Mas eu parecia ser o único a estar ouvindo essas coisas, os outros estavam entretidos com as plantas e bichinhos que tinham na floresta, perguntei pro João se ele tinha ouvido algo mais ele disse:
– Ouvi sim! Ouvi você gritando de medinho! Deixa de ser medroso Pedro! Não tem nada aqui, a única coisa que você precisa ter medo é do cara da cantina! Dizem que ele pega as pessoas que se perdem na floresta pra fazer aquela gororoba pra a gente comer!- E fez uma careta indicando nojo.
Mas aquilo não me convenceu. Ainda podia ouvir barulhos à nossa volta, agora pareciam mais passos. Estava andando distraído quando vi um arbusto se mexendo. Chamei o João pra ver também e chegamos mais perto, quando estávamos chegando perto do arbusto vi como se fosse um menino pequeno, de uns Quatro anos de idade agachado atrás do arbusto. Me espantei na hora, esperava qualquer coisa, menos um menino pequeno agachado atrás de um arbusto! Meu amigo ficou sem palavras. Cheguei, mas perto e perguntei:
– Qual é o seu nome?- Estava meio curioso, afinal, o que um menino estaria fazendo ali, no meio da floresta?
– Brenno. – Respondeu meio assustado.
– O que você ta fazendo aqui?
Mas ele não respondeu mais nada, simplesmente saiu correndo floresta adentro, gritei pra ele esperar, mas não adiantou nada. João me olhou com a cara pálida como se tivesse visto um fantasma. Eu nem disse nada, simplesmente saí correndo atrás do menino, João falou:
– Você tá louco cara?
– Ele deve ta perdido! Temos que ajudar!
– Se ele quisesse ajuda ele não teria saído correndo!
– Ele ta assustado, e você também! –Comecei a rir da cara dele.
– Eu não estou com medo! VAMOS!
E lá fomos nós atrás do menino misterioso, mas sem perceber, nós nos separamos totalmente dos outros alunos e da guia que parece mais uma bruxa gorda.
Passamos 20 minutos procurando, mas não deu em nada. Sentei em um tronco velho que estava caindo no chão. O João falo:
– Cara! Já estamos procu..
De repente ouvimos um barulho que parecia ser um urso e quando olhamos pra trás tem um urso de dois metros e meio atrás de nós e ele não parecia estar feliz. Eu acho que nunca corri tanto na minha vida! Mas quando olhamos pra trás já tínhamos despistado o urso. Mas a pergunta era “Onde nós estamos?”. A resposta era nada mais nada menos que: “Não sei!”.
O tempo foi passando e não melhoro nada a nossa situação, quando nos demos conta já eram cinco horas da tarde. Estávamos cansados, com fome e não posso negar que com um pouco de medo, onde teria ido parar o menininho… Eu não fazia idéia, muito menos João, agora a única coisa que importava era encontrar o acampamento e voltar para nossas caminhas muito duras. Nem sabia mais o que fazer. Nós resolvemos fazer o caminho inverso, e voltar, pra tentar achar o caminho, mas não adiantou nada. João falo pra cansado:
– Cara, a culpa disso tudo é sua! A gente não tinha nada que ter ido atrás daquele menino! Agora pode ser que aquele urso apareça de novo aí eu quero ver qual vai ser! Sem contar que eu estou morte de fome!
– Relaxa cara! Vamos encontrar o caminho!- Eu disse aquilo mais nem acreditava mais que poderíamos algum dia sair daquela floresta, apesar da minha vontade imensa de sair de lá.
Meus pés estavam cheios de calos e meus braços estavam cheios de cortes das folhas e galhos da floresta, quando eu reparei uma luz surgindo no horizonte. Nem precisei avisar pro João, por que ele já estava gritando por ajuda. Lógico que eu corri para pedir ajuda também, mas conforme fomos chegando perto, fomos vendo que na verdade, aquilo não era nada mais que um enxame de vaga-lumes. O desanimo foi total. João me olhou com cara de decepção, paramos ali mesmo e sentamos um pouco pra descansar enquanto olhávamos os vaga-lumes voarem sobre nós. Ouvimos novamente barulhos vindo por todos os lados, olhei pro João e ele disse:
– O que será que vem dessa vez hein?! Só faltava ser um leão da montanha!- Disse ele irônico, só que nessa hora saiu o homem gordo da cantina por trás de dele. – Que horror cara! Não faz isso não, eu vô morre de susto! Finalmente alguém achou a gente!
– Como vocês conseguiram se perder, só completos idiotas conseguem se perder de um grupo de 50 pessoas, ou melhor, 50 adolescentes barulhentos!- Disse o homem feio.
– É que nós nos distraímos com uma coisa.. – Disse eu com um pouco de receio.
– Uma coisa? Que coisa?- Perguntou ele curioso.
-Esse doido viu um menino, o nome dele era.. Ham.. Brenno! Nossa, aquele menino é muito estranho! Ele saiu correndo, e nós fomos procurar ele pra ajudar, mas nós não o achamos depois. –Disse João tudo de uma vez para o homem.
– Brenno? Nossa, semana passada encontramos um menino morto perto da trilha, era o Brenno, um menino que tinha se perdido em uma excursão.
Nós ficamos sem palavras, não sabia o que dizer, só sabia que queria sair o mais rápido possível daquele lugar. Mas não demorou muito para nós sairmos da floresta, aquele homem sabia tudo sobre ela, e chegamos rápido no acampamento que parecia ainda mais feio quando estava de noite, tinha apenas umas poucas luzes amareladas para iluminá-la.
Quando chegamos, nos serviram a mesma gororoba do almoço, mas com a fome que eu estava, comi tudo e ainda repeti. Quando olhei para o relógio já eram 9 horas da noite. Levamos um sermão da professora Lílian por ter saído da trilha e nos perdido e fomos logo dormir.
Acordei com uma dor nas costas que nunca tinha tido antes, meu pescoço também doía muito. Parecia que tinha sido atropelado por um caminhão. João e todos os outros alunos se queixavam de dores nas costa por causa da cama dura. No café da manhã serviram torradas queimadas e um ovo que estava com cheiro de estragado, mas o que todos comentavam era que nós tínhamos nos perdido e visto o menino que já estava morto. Eles riam e cochichavam, provavelmente falando que nós somos loucos, mas não posso falar nada, também estava começando a achar que estava ficando louco, mas eu estava louco mesmo para ir embora daquele lugar e voltar para minha caminha macia e comidinha boa da mamãe. Mas só íamos embora ás 6 horas da noite. E ainda eram oito da manha, tínhamos um longo dia. Teve outra caminhada, mas eu e João preferimos ficar no acampamento que não corria o risco de nos perdemos de novo.
Meio dia eles foram caminhar e ficamos só eu, João e alguns funcionários do lugar. Ficamos jogando cartinhas para passar o tempo e depois fomos ver se tinha alguma coisa interessante no acampamento. Mas não tinha nada que prestasse, então ficamos jogando pedras em um laguinho e discutindo sobre o dia agitado que tinha sido ontem.
Finalmente eles chegaram e começaram a arrumar as coisas para ir embora. Eu e João já estávamos com tudo pronto, e fomos os primeiros a entrar no ônibus. Depois de passar os dois dias no acampamento aquele ônibus parecia ser muito confortável. Quando o ônibus deu a partida, olhei para janela e lá estava entre as árvores, o menino, nos olhando. Esfreguei os olhos, olhei de novo e lá estava ele, cutuquei meu amigo e ele não acreditou, estava mesmo lá, nos olhando. E vimos ele sumindo no horizonte conforme o ônibus foi andando. Depois desse dia, eu sempre via ele de longe me observando. Mas de uma coisa você pode ter certeza, nunca mais fui acampar.